Referendo<br>ou não referendo?

Pedro Campos

Entre vá­rias es­tra­té­gicas gol­pistas, umas des­ca­radas ou­tras mais dis­cretas, que o im­pe­ri­a­lismo está a de­sen­volver através dos seus ho­mens de mão lo­cais para der­rubar o go­verno bo­li­va­riano, está um even­tual re­fe­rendo re­vo­ga­tório contra o pre­si­dente Ni­colás Ma­duro. Já en­sai­aram esta via em 2004 contra Hugo Chávez e os cál­culos saíram-lhe fu­rados. Foi-se a votos e o cha­vismo venceu com mais de 59 por cento dos su­frá­gios e uma van­tagem de quase 19 pontos de di­fe­rença sobre a re­acção. Nesta oca­sião, se­gundo vá­rios es­pe­ci­a­lista, nem às urnas se che­gará.

De acordo com o cons­ti­tu­ci­o­na­listas Hermán Es­carrá, co-autor da Cons­ti­tuição de 1999, a MUD ac­ci­onou o pro­cesso de re­fe­rendo fora de tempo e agora os prazos es­ta­be­le­cidos pela lei im­pedem que a con­sulta po­pular seja este ano, e se al­guém tem a culpa de que a con­sulta não seja este ano ela é da pró­pria opo­sição, que devia ter ini­ciado o pro­cesso no co­meço do ano, caso em que talvez fosse pos­sível o re­vo­ga­tório em Ou­tubro, de­pen­dendo dos re­cursos le­gais in­ter­postos pelos ad­vo­gados bo­li­va­ri­anos. Muito re­cen­te­mente, em con­fe­rência de im­prensa, a rei­tora prin­cipal do Con­selho Na­ci­onal de Elei­ções (CNE) in­formou que a re­colha dos 20 por cento das as­si­na­turas po­deria ser no final de Ou­tubro. Isto lan­çaria a data da con­sulta para, quando muito, me­ados do pri­meiro tri­mestre de 2017.

Ramos Allup, pre­si­dente da as­sem­bleia le­gis­la­tiva am­pla­mente con­tro­lada pelas forças da di­reita, afirmou pe­remp­tório, logo após a vi­tória nas le­gis­la­tivas, que em seis meses se «sairia de Ma­duro». Esse ul­ti­mato ter­minou em Junho deste ano. Foi um erro de cál­culo e agora, acres­centou o es­pe­ci­a­lista, a opo­sição, ainda que saiba que já não será pos­sível o re­fe­rendo este ano, con­tinua a in­sistir nessa po­sição.

De facto, a di­reita agita his­te­ri­ca­mente, a nível na­ci­onal e in­ter­na­ci­onal, essa ban­deira com duas in­ten­ções que in­di­ciam as suas in­ten­ções gol­pistas sempre pre­sentes como arma de ar­re­messo: in­ti­midar o CNE e agitar de modo ar­ti­fi­cial as ruas. A ver­dade é que está longe de o con­se­guir. As suas ma­ni­fes­ta­ções de rua de­mons­tram pouco poder de con­vo­ca­tória e o CNE já disse cla­ra­mente que os prazos cons­ti­tu­ci­o­nais são para serem res­pei­tados. Além disso, So­corro Her­nández, uma das rei­toras do or­ga­nismo elei­toral, afirmou muito re­cen­te­mente que existe «a pos­si­bi­li­dade la­tente» de que a MUD seja de­cla­rada le­gal­mente in­capaz para pedir o re­vo­ga­tório, acla­rando, con­tudo, que isso será de­cisão do poder ju­di­cial. Quais po­de­riam ser as ra­zões para esta in­va­li­dação da MUD? Jorge Ro­drí­guez, pre­si­dente de um dos prin­ci­pais mu­ni­cí­pios de Ca­racas e alto re­pre­sen­tante do Pólo Pa­trió­tico, re­velou al­guns dados in­te­res­santes sobre as listas com as as­si­na­turas para so­li­citar o re­fe­rendo.

O nú­mero era su­fi­ci­ente para a pri­meira etapa (faltam vá­rias ou­tras, sem contar com ine­vi­tá­veis re­cursos le­gais, que sig­ni­ficam cer­ta­mente mais tempo) mas es­tava vi­ciado. Mais de 300 mil as­si­na­turas não cum­prem com um ou mais cri­té­rios téc­nicos, «entre elas 53 658 são ir­re­gu­la­ri­dades muito graves». Quase onze mil fa­le­cidos as­si­naram as listas, mais de três mil são me­nores sem di­reito a voto, mais de nove mil não apa­recem nos ar­quivos de iden­ti­fi­cação, mais de 1300 per­deram os di­reitos po­lí­ticos. É, por­tanto, claro, afirmou Ro­dri­guez, filho de um líder as­sas­si­nado pela po­lícia po­lí­tica da IV Re­pú­blica, «e está ple­na­mente de­mons­trado que a MUD in­correu na mais gi­gan­tesca fraude elei­toral co­nhe­cida na his­tória po­lí­tica da Ve­ne­zuela», e como con­sequência pediu a anu­lação da ins­crição elei­toral da MUD.

Uma vez con­cluído todos os passos ne­ces­sá­rios para a re­a­li­zação do pro­cesso re­fe­ren­dário, um re­sul­tado even­tu­al­mente fa­vo­rável aos in­te­resses do im­pe­ri­a­lismo e dos seus vas­salos lo­cais de­pende ainda de um as­pecto que não é dis­pli­cente. Para ar­redar Ma­duro da pre­si­dência, a opo­sição ne­ces­sita não só de ga­nhar o re­fe­rendo com mais votos do que os bo­li­va­ri­anos, mas pre­cisa também de su­perar os que ob­teve Ma­duro na eleição de Abril 2013: 7 587 532 votos a favor contra os que con­se­guiu o oli­garca Ca­priles, cerca de 1 200 000 menos. Nada ga­rante que assim seja, até porque à me­dida que o tempo avança as forças po­pu­lares or­ga­nizam-se com o in­tuito de vencer a guerra eco­nó­mica de­sen­ca­deada pela re­ação com a fi­na­li­dade de pôr ponto final ao pro­cesso bo­li­va­riano ini­ciado na Ve­ne­zuela em 1999 e, de pas­sagem, der­rotar, agora com a mo­da­li­dade dos «golpes su­aves», ou­tros go­vernos pro­gres­sistas da re­gião.

 



Mais artigos de: Argumentos

Acordo sobre alterações climáticas agrava injustiças

A ratificação do acordo alcançado na Cimeira de Paris sobre as alterações climáticas na Assembleia da República mereceu a abstenção do PCP. Com este posicionamento o PCP pretendeu assinalar o reconhecimento da urgência de...

Dois aniversários

É sabido que a relevância de uma qualquer televisão, como aliás da generalidade dos chamados meios de comunicação social, se mede e é avaliável tanto pelo que comunica e divulga quanto pelo que silencia e omite. Em graus diversos, naturalmente, em...